
Análise das contas públicas: um outro olhar – 02 de maio de 2025
O governo divulgou as contas públicas do 1º trimestre de 2025. Esta coluna tem provocado, em alguns artigos anteriores, discussões sobre a gestão das contas públicas e sobre como essa questão tem sido tratada pelos órgãos de imprensa e pelos analistas econômicos e financeiros.
Tem sido enfatizado aqui o viés ideológico presente na abordagem do tema. A imprensa e os analistas destacam e defendem os interesses de apenas uma parte da sociedade brasileira: os financistas detentores da dívida pública interna, em detrimento do restante da população.
O orçamento público tem como objetivo atender às demandas setoriais da economia brasileira, bem como à população em geral, especialmente no que se refere a serviços públicos e ao bem-estar social.
Neste contexto, o presente artigo busca oferecer uma nova interpretação do orçamento público. Em vez de focar no resultado primário do governo — receitas menos despesas primárias —, a análise será feita sob uma ótica diferente: a das despesas totais do governo no período de abril de 2024 a março de 2025. Nesse intervalo, o governo gastou R$ 3,2 trilhões.
Desse total, R$ 1,3 trilhões foram destinados a benefícios previdenciários e sociais (41%); R$ 380 bilhões a gastos com pessoal (12%); R$ 561 bilhões a repasses constitucionais para ministérios e despesas discricionárias (18%); e R$ 935 bilhões a pagamentos de juros da dívida pública (29%).
Como se pode observar, 29% dos gastos referem-se ao pagamento de juros aos detentores da dívida pública, enquanto 41% são destinados a toda a sociedade brasileira. A discrepância é significativa para um país em desenvolvimento como o Brasil, que ainda enfrenta grandes carências sociais e uma das maiores desigualdades do mundo. Atualmente, os juros reais no país estão entre os mais altos do mundo, situando-se em 10% ao ano, para combater uma inflação que está apenas 1 ponto percentual acima do limite máximo da meta: 5,5% (meta máxima de 4,5%). Trata-se de uma dose extremamente elevada para controlar a situação — uma medida que, ao invés de sanar a economia, pode comprometê-la ainda mais.
Agora, analisando os números divulgados pela imprensa: nesse período, o resultado primário foi praticamente nulo (-0,11% do PIB), enquanto o resultado nominal foi de 7,91% do PIB, equivalente a um déficit de R$ 947 bilhões — a diferença entre os gastos do governo (R$ 3,2 trilhões) e a arrecadação tributária (R$ 2,3 trilhões). O viés ideológico da análise reside na insistência em destacar apenas o resultado entre receitas e despesas primárias, omitindo que o governo também precisa arcar com os juros da dívida pública. Por isso, frequentemente se afirma que há um déficit primário, ocultando o fato de que o verdadeiro vilão das despesas públicas são os gastos com a dívida, que figuram no déficit nominal.
Essa diferença negativa, entre impostos arrecadados e gastos governamentais, foi financiada por meio da emissão de moeda e do aumento do endividamento.
Como resolver essa situação? Existem três caminhos possíveis:
1. Aumentar a arrecadação tributária sem ampliar a base tributária, fortalecendo a fiscalização contra sonegadores e reduzindo incentivos fiscais concedidos a empresas sem contrapartidas sociais;
2. Melhorar a qualidade dos gastos primários do governo, combatendo a corrupção e garantindo que os investimentos públicos gerem retornos efetivos para a população;
3. Adotar taxas de juros reais compatíveis com o crescimento da economia brasileira. Enquanto os juros reais giram em torno de 10% ao ano, o crescimento do PIB está próximo de 3% ao ano. Essa diferença contribui diretamente para a expansão da dívida pública.
Desde o Plano Real, as elevadas taxas de juros praticadas no Brasil têm sido o principal fator do crescimento da dívida pública em relação ao PIB, mais do que os gastos primários do governo. Esse cenário decorre da financeirização da economia brasileira após o Plano Real.
Para que o pagamento dos juros da dívida pública não leve a um aumento contínuo do endividamento, a taxa de juros reais da economia brasileira não pode ultrapassar 4,5% ao ano.