Estudo veiculado pela revista científica Nature relaciona a prática de negócios à desonestidade

A revista Nature publicou online, em novembro de 2014, o artigo “Cultura de negócios e desonestidade na indústria bancária”, assinado por Alain Cohn, Ernst Fehr e Michel André Maréchal, do Departamento de Economia da Universidade de Zurique, na Suíça. Os autores observam que a confiança na honestidade alheia é pedra fundamental para empresas, setores de atividades e até mesmo para países. No entanto, multiplicaram-se nos últimos anos casos envolvendo fraudes na indústria financeira. Diversos analistas atribuem a origem de tais escândalos à cultura de negócios do setor.

Para comprovar tal hipótese, Cohn, Fehr e Maréchal realizaram um experimento envolvendo funcionários de uma grande instituição financeira internacional e estudantes e funcionários de outras indústrias, os quais funcionaram como grupo de controle. No experimento, os participantes recebiam uma tarefa e deveriam reportar seus resultados, sendo possível falseá-los para aumentar os ganhos.

Os autores verificaram que os funcionários da instituição financeira eram tão honestos quanto os demais. Entretanto, em uma variação do experimento, quando tais funcionários respondiam perguntas sobre suas ocupações profissionais, parte significativa deles passava a agir desonestamente. Os outros participantes não eram afetados por questões equivalentes. O trio concluiu: “Nossos resultados, portanto, sugerem que a cultura de negócios prevalente na indústria bancária mina e enfraquece o padrão de honestidade, o que sugere que medidas para restabelecer uma cultura honesta são importantes”.

A ideia de cultura é relativamente recente no mundo corporativo. Os primeiros estudos sobre o tema surgiram há cerca de 30 anos. Cultura organizacional diz respeito aos padrões de comportamento das pessoas em uma instituição. Transparece nas atitudes, modos e manias das empresas. Relaciona-se, em um nível mais profundo, com a história da organização e a construção de valores e das noções de certo e errado. A cultura é importante para uma empresa porque representa uma referência norteadora das decisões.

A diversidade entre empresas é notável, uma decisão ou comportamento que é aceitável em uma instituição pode ser inaceitável em outra.

Nos anos 1990, muitas organizações, fascinadas com o conceito, decidiram “mudar sua cultura”. Entretanto, descobriram que, assim como indivíduos saudáveis não trocam de personalidade de um dia para o outro, empresas também não são capazes de substituir sua cultura de um ano para o outro. Interferir na cultura organizacional é tarefa longa e incerta, e envolve amiúde mudar estratégias, alterar estruturas e processos, trocar líderes e romper com o passado.

O estudo veiculado em Nature trata justamente da questão da mudança cultural. Os autores não se referem a uma organização em particular, mas a um setor inteiro. Sugerem a adoção de medidas para fomentar uma cultura da honestidade. Será tal empreitada possível?

Para responder à questão é preciso, em primeiro lugar, aceitar que o que torna uma norma e um comportamento aceitáveis são valores construídos e validados por um grupo social ao longo do tempo. A desonestidade apontada pelos autores pode não ser um comportamento anômalo no ambiente estudado, mas o reflexo de décadas de interações e realizações geradoras de um caldo cultural que aceita, e em certos casos promove, comportamentos desonestos.

Em segundo lugar, é preciso encontrar meios para inibir tais comportamentos. Punir exemplarmente os desonestos pode sinalizar mudanças. Entretanto, não altera necessariamente as raízes do comportamento. Muitos deles são percebidos de fora como desviantes, mas aceitos ou minimizados internamente. Por outro lado, chegar ao extremo de extinguir a organização pode gerar um custo considerado intolerável pelos agentes econômicos e sociais. A alternativa é, portanto, iniciar um amplo e longo processo de mudança, fazendo mover simultaneamente várias frentes: governança e transparência, controle e punição, liderança e outras mais.

Há, naturalmente, quem prefira opções mais simples e diretas para mudar o estado das coisas, mas para acreditar em sua efetividade é preciso crer também em fadas e duendes.

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