O Ajuste Fiscal pelo Caminho da Justiça Social: A Estratégia de Haddad em Perspectiva

O debate sobre o ajuste fiscal no Brasil costuma ser apresentado como uma escolha binária e inevitável: ou o país corta drasticamente os gastos públicos, ou se afunda em uma crise de credibilidade e dívida. Essa visão, frequentemente amplificada por analistas do mercado financeiro, como Alexandre Schwartsman, que recentemente defendeu um ajuste de 2,0% do PIB baseado em cortes, ignora uma terceira via, mais complexa, porém mais justa e alinhada às necessidades do povo brasileiro. É exatamente este o caminho proposto pela política fiscal do Ministro Fernando Haddad: um ajuste que busca o equilíbrio não pela redução de serviços e investimentos essenciais, mas pela correção de distorções históricas no lado da arrecadação. Este artigo defende que, diante da realidade das contas públicas, a estratégia de Haddad está no caminho certo, pois protege o pacto social brasileiro ao mesmo tempo que busca a sustentabilidade fiscal.

1. A Realidade Inegável da Despesa Primária: Uma Trajetória de Consolidação Social

O primeiro ponto para entender a escolha do governo é analisar a trajetória da despesa primária. Um olhar superficial pode sugerir uma “explosão de gastos”, mas uma análise histórica revela um crescimento estrutural, diretamente ligado à consolidação de direitos sociais pós-redemocratização. O gráfico abaixo ilustra essa evolução de forma inequívoca.

Como o gráfico demonstra, a despesa primária, que girava em torno de 12% a 14% do PIB nos anos 90, consolidou-se em um novo patamar, hoje próximo a 20% do PIB. Este não é um número aleatório, mas o reflexo de um país que decidiu investir mais em saúde, educação, previdência e programas de transferência de renda. O pico de 20,5% em 2024, por exemplo, representa a necessária recomposição de programas como o Bolsa Família, que haviam sido comprimidos em anos anteriores. Defender um corte abrupto para retornar a patamares de 17% ou 18% do PIB, como sugerem alguns economistas, significa, na prática, defender a redução de serviços públicos essenciais e o enfraquecimento da rede de proteção social. A política atual reconhece esse patamar de despesa como o “novo normal” de um Estado de bem-estar social em construção e, portanto, volta seus olhos para o outro lado da equação: a receita.

2. O Caminho do Equilíbrio: Corrigindo Distorções e Aumentando a Arrecadação
Se a despesa reflete um pacto social, a receita no Brasil reflete um histórico de privilégios e distorções. É aqui que a estratégia do Ministro Haddad se mostra mais acertada e corajosa. Em vez de usar a tesoura nos gastos sociais, o governo está usando a lupa sobre as fontes de arrecadação que foram, por décadas, subutilizadas ou isentas. A agenda em curso tem um potencial bilionário, como demonstram os números:

• Corte de Gastos Tributários: As renúncias fiscais, que beneficiam setores específicos da economia, representam um “ralo” de mais de R$ 500 bilhões por ano, um valor que supera 4% do PIB. A revisão desses benefícios, mesmo que parcial, tem potencial para reequilibrar as contas de forma significativa.

• Justiça Tributária para os “Super-Ricos”: A taxação de fundos offshore e exclusivos, aprovada no final de 2023, já rendeu mais de R$ 20 bilhões em 2024, superando todas as projeções iniciais. Isso prova que taxar o topo da pirâmide não apenas é justo, mas também extremamente eficaz em termos de arrecadação.

• Regulamentação de Novos Setores: A tributação do bilionário mercado de apostas esportivas (as “bets”) já está gerando uma receita recorrente que pode chegar a R$ 20 bilhões anuais. Da mesma forma, a equiparação da tributação das fintechs aos bancos tradicionais promete adicionar outros R$ 5 bilhões aos cofres públicos.
Somadas, essas e outras medidas, como a futura tributação de dividendos, representam um caminho sólido para alcançar o ajuste fiscal de R$ 250 bilhões (2% do PIB) mencionado por Schwartsman, mas com uma diferença fundamental: o ônus recai sobre setores que historicamente contribuíram menos, e não sobre a população que depende dos serviços do Estado.

Conclusão
A política fiscal liderada por Fernando Haddad representa uma mudança de paradigma no debate econômico brasileiro. Ela parte de um diagnóstico correto: a despesa pública atingiu um patamar que reflete as escolhas sociais do país, e cortá-la indiscriminadamente seria um retrocesso civilizatório. A solução, portanto, reside em uma reforma tributária “fatiada”, que busca aumentar a arrecadação de forma inteligente e progressiva. Ao mirar em isenções fiscais injustificadas, na taxação de altas rendas e na regulamentação de novos mercados, o governo não apenas busca o equilíbrio fiscal, mas também promove a justiça tributária. O caminho é desafiador e a pressão por um ajuste fiscal baseado em cortes continuará. No entanto, a estratégia atual é a única que se mostra capaz de conciliar responsabilidade fiscal com responsabilidade social, garantindo que o ajuste das contas públicas não seja feito em detrimento do futuro e do bem-estar do povo brasileiro.
Marcos Freitas Pereira
ICC Freitas – Instituto de Conhecimento Compartilhado
Novembro 2025

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